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20 de Abril de 2024
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    A magistratura federal deixou de ser tão atrativa

    *Por José Renato Rodrigues

    Apesar de não desejável, é comum haver conflitos de interesses no seio da sociedade. Os conflitos não podem se eternizar e, por isso, exige-se uma rápida solução em prol de uma convivência social, no mínimo, pacífica.

    Sendo vedado, como regra, a autotutela que consiste no “fazer justiça com as próprias mãos”[1][2] e que pode gerar insegurança e arbítrio, o judiciário assume uma relevantíssima posição, pois tem que solucionar, quando provocado, todos os litígios. Assim, cabe ao judiciário dar a última palavra acerca do direito solucionando, com um comando estatal, um conflito de interesses.

    O juiz, que é um servidor da sociedade e que tem a função de pacificar, precisa, no exercício da atividade jurisdicional — na solução concreta de conflitos de interesses trazidos ao judiciário —, não estar sujeito a ordens ou injunções funcionais, devendo obedecer somente sua consciência e, claro, a Constituição Federal e as leis do país.

    Isto é assim não como privilégio do juiz, mais sim em prol da própria sociedade que, para ser efetivamente “livre, justa e solidária”[3], deve ter juízes imunes a quaisquer tipos de pressões, interferências e represálias, pois só deste jeito é possível que o juiz nunca se acovarde e possa, de forma livre, serena, ética e imparcial, decidir os conflitos com um resultado justo, independentemente de quem estiver litigando.

    É neste contexto que o artigo 95 da Constituição menciona que os juízes gozam das garantias da vitaliciedade, inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídio.

    A vitaliciedade, que é a vinculação da pessoa ao cargo de juiz, é adquirida após dois anos de exercício[4] e só pode ser perdida com sentença judicial transitada em julgado.

    A inamovibilidade implica na impossibilidade de remover o juiz do local onde ele esteja lotado, salvo se ele próprio quiser ser removido quando houver vagas ou se o interesse público assim exigir, desde que isto seja reconhecido pela maioria absoluta do tribunal a que ele esteja vinculado ou pelo Conselho Nacional de Justiça.

    Já a irredutibilidade de subsídio — parcela única sem quaisquer outras verbas remuneratórias, que é limitada ao valor do subsídio do Ministro do STF e sobre a qual incide imposto de renda de 27,5% e contribuição previdenciária de 11% — é a impossibilidade de haver a redução do seu valor, estando constitucionalmente “assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices” (parte final do inciso X do artigo 37, Constituição Federal).

    A par dessas garantias — indispensáveis à plena democracia e ao respeito de direitos —, os juízes, dentre muitas outras privações e vedações, não podem exercer: outra função, salvo uma de professor e que não prejudique o exercício da atividade judicial; a administração ou gerência de empresa; atividade político-partidária; receber contribuições ou auxílios (parágrafo único do artigo 95 da CF/88).

    Por outro lado, ao lermos a atual Constituição Federal, verificamos, no Capítulo das Funções Essenciais à Justiça, que o parágrafo 4º do artigo 129 assevera que “Aplica-se ao Ministério Público, no que couber, o disposto no artigo 93.” Já o artigo 93 da Constituição Federal traz os princípios norteadores da magistratura brasileira. Da conjunção do disposto nestes dispositivos constitucionais extrai-se a regra da simetria constitucional entre a magistratura e o Ministério Público.

    Esta simetria, prevista no auto-aplicável parágrafo 4º do artigo 129, consiste na comunicação das garantias e vantagens aplicáveis à magistratura ao Ministério Público e vice-versa. É uma via de mão dupla, na medida em que as vantagens previstas na legislação que trata do Ministério Público também são estendidas à magistratura.

    Diante desta simetria constante da Constituição de 1988, adveio a Resolução 133, de 21 de Junho de 2011, do CNJ, que “dispõe sobre a simetria constitucional entre magistratura e Ministério Público e equiparação de vantagens”.

    Considerando que cabe ao CNJ, dentre outras atribuições, a de zelar “pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência (...)” — artigo 103-B, parágrafo 4º, I, da Constituição Federal —, e tendo em vista que o fundamento da simetria consta da própria Constituição Federal (parágrafo 4º do artigo 129), constitucional e escorreita a edição, pelo CNJ, da mencionada resolução.

    Por isso, não se sustenta a tese de ser necessária lei para que haja simetria entre a magistratura e o Ministério Público.

    Acerca da desnecessidade de lei para tal finalidade, colacionamos, pela clareza, trecho da decisão prolatada pelo ministro Luiz Fux, na ação originária 1.725 que tramita perante o STF, verbis:

    A tese do Demandante de que o reconhecimento aos magistrados das mesmas prerrogativas que as asseguradas ao Ministério Público demanda a edição de lei específica acaba por inverter a pirâmide kelseniana, deixando os direitos assegurados pelas normas constitucionais em uma posição subalterna à das leis. Nesse contexto, a simetria constitucionalmente prevista não pode ficar condicionada à edição de uma lei, sob pena de a força normativa da Constituição a que alude Hesse vir a depender de atos estatais de estatura infraconstitucional. Ademais, o STF, atento ao tema, já reconheceu que o CNJ pode editar atos normativos com fundamento de validade extraído diretamente do texto constitucional, sem que isso dependa da edição de lei. Confira-se a ementa da medida cautelar na ADC 12, em que o plenário STF admitiu que o CNJ editasse norma de caráter primário sobre a proibição de nepotismo (...)[5]

    É a Lei Complementar 35/79, Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN), que disciplina, entre outros temas, os vencimentos, vantagens e direitos dos magistrados.

    Como visto, também são aplicáveis (não só a partir da data da edição da Resolução 133/2011 do CNJ) aos juízes os dispositivos da Lei Complementar 75/93[6], por força da simetria constitucional existente entre a magistratura e o Ministério Público.

    Além disso, por força do contido no artigo 52 da Lei 5.010/66[7], que organiza a Justiça Federal de primeira instância, e no artigo 287 da LC 75/93[8], são aplicáveis aos juízes federais o Estatuto dos Servidores Civis Federais, ou seja, a Lei 8.112/90.

    Apesar da importância da magistratura, da clareza das garantias e regras a ela atribuídas pela Constituição e antes mencionadas, o que se constata, na prática, é que a magistratura Federal, infelizmente, está sendo ignorada, desrespeitada e fragilizada em total afronta à Constituição Federal, o que resulta, ao fim, em sérios e graves prejuízos à sociedade, na medida em que põe em risco a efetiva proteção de ameaças e lesões a direitos dos cidadãos e, por consequência, à própria democracia, conquistada com muito sangue, como nos mostra a nossa história recente.

    A principal agressão a toda magistratura brasileira é a violação da garantia da irredutibilidade do subsídio, haja vista que não está ocorrendo, há anos, a revisão geral anual dos subsídios, expressamente determinada pelo inciso X do artigo 37 da Constituição Federal. Sobre esse ponto, registramos que o próprio STF, guardião da Constituição Federal (artigo 102, Constituição Federal de 1988), acaba contribuindo diretamente com a permanência da omissão no cumprimento da norma constitucional, na medida em que a questão está lá judicializada por intermédio de Mandados de Injunções já impetrados há algum tempo, os quais ainda não foram julgados, também em violação ao princípio da duração razoável dos processos (artigo , LXXVIII, CF/88).

    Além disso, há enorme disparidade entre o tratamento dado à magistratura federal e ao Ministério Público (Federal e Estaduais).

    Exemplificando, podemos apontar que o membro do Ministério Público Federal — procurador da república — inicia no cargo podendo, ao contrário dos juízes federais, receber o valor de até três vencimentos (subsídios) no caso de haver, com a nomeação, mudança de seu domicílio legal[9]. Também inicia recebendo 5% a mais que o juiz federal, pois este inicia como juiz federal substituto, que nesta condição pode permanecer até se aposentar[10]. O procurador da república recebe diária no valor de um trinta avos de seu subsídio[11], enquanto o juiz federal, quando recebe diárias[12], é em valor bem inferior ao valor pago ao MPF[13]. A remoção do procurador da república é nacional, enquanto a do juiz federal é regional, o que faz com que os juízes federais, mesmo ocupando cargo federal, injusta e absurdamente renunciem à antiguidade na carreira, caso optem por uma remoção para localidade sob a jurisdição de Tribunal Regional Federal diverso daquele a que esteja originalmente vinculado[14].

    Ao contrário de outras carreiras jurídicas, os juízes não recebem por substituições que exercem cumulativamente com suas atribuições habituais, pelo exercício de atividades administrativas (como exemplo: direção de foro, centrais de conciliação, centrais de mandados), por estarem trabalhando em localidades de difícil provimento, entre outros.

    Importante consignar, aqui, que as discrepâncias de tratamento dado aos juízes federais também existem (e são gritantes) em relação aos juízes de direito (juízes dos estados), o que ficou mais evidente com a divulgação, em respeito à lei de acesso a informacao[15], dos dados pelos Tribunais de Justiças dos Estados. Não é crível que haja diferença de tratamento entre juízes, permitindo, por exemplo, que juízes estaduais ganhem o dobro do que percebem os juízes federais.

    Nem mesmo a “ajuda de custo, para moradia, nas localidades em que não houver residência oficial à disposição do magistrado” que consta expressamente no artigo 65, II, da LOMAN e é paga para ministros (e alguns pouquíssimos juízes), é estendida para toda a Magistratura Federal.[16]

    Esses são apenas alguns dos muitos exemplos reais e que servem para demonstrar que a Magistratura Federal, em afronta ao ordenamento jurídico vigente, não está tendo reconhecido seus direitos e garantias, bem como está, em vários aspectos, em patamar bem inferior a muitas carreiras da área jurídica.

    Diante deste triste, mais real cenário, lamentavelmente a magistratura federal deixou de ser tão atrativa e o objeto de desejo e sonho de muitos estudantes e qualificados profissionais do direito, fazendo com que candidatos bem preparados optem por concursos para outros cargos existentes e melhor estruturados e remunerados. São altos os índices de abstenções de candidatos inscritos em provas de concurso público para juiz federal. Está havendo, ainda, a evasão da Magistratura Federal, com aposentadorias precoces de juízes gabaritados e no auge de suas capacidades (intelectual e laborativa); indo muitos outros juízes exercer a advocacia, o cargo de procurador da república, a titularidade de cartórios extrajudiciais nos estados, entre outros.

    A grande maioria dos juízes federais que ainda não deixou a magistratura federal está, no mínimo, desestimulada. Alguns sustentam até a greve por tempo indeterminado.

    A bem da sociedade, a magistratura federal precisa ser valorizada, bastando para isso, o simples reconhecimento automático de seus direitos e garantias já existentes. A magistratura federal precisa ser ouvida, até porque, o juiz, como regra, é uma pessoa equilibrada, sensata e não afeita a fazer piquetes, bater bumbo, buscar apoios políticos e de políticos, exposição midiática, entre outros.

    Há quem entenda que o juiz exerce um sacerdócio[17]. Outros que é uma pessoa vocacionada, com dom. Sem entrar no mérito desta discussão, mas reconhecendo a nobreza da atividade que exerce, o fato é que todo juiz é um profissional de uma importante carreira jurídica e como tal deve ser tratado.

    O cargo de juiz deve ser reconhecido, sem querer amesquinhar outros relevantes e necessários cargos existentes, como o ápice das carreiras jurídicas, pois é ao juiz que todo o cidadão, diretamente ou por intermédio de instituições que exercem funções essenciais à Justiça[18], leva todas suas angústias e problemas que não conseguiu resolver, depositando no juiz toda a sua esperança na solução do que lhe aflige. É a sua última trincheira na busca de seus direitos fundamentais, que não podem sequer serem ameaçados, nem mesmo pelo Estado.

    A magistratura federal não pode servir de passagem e/ou trampolim para as demais carreiras. A lógica tem que se inversa. Os ocupantes das outras carreiras jurídicas é que devem ter como meta/sonho a magistratura.

    O juiz não deve ficar se preocupando com questões profissionais de somenos importância para a sociedade. Deve o juiz ter suas garantias mantidas e fortalecidas e seus direitos naturalmente reconhecidos, para assim poder exercer, com plena força, concentração e tranquilidade, o que a sociedade realmente espera e necessita, ou seja, uma justiça célere e justa.

    Sendo a magistratura federal importante para a manutenção do Estado Democrático de Direito e para a garantia da dignidade da pessoa humana, urge assegurar aos juízes federais simplesmente o que já está previsto na Constituição Federal e legislação infraconstitucional, a começar pela preservação da garantia da irredutibilidade de subsídio, com a inclusão em pauta de julgamento, pelo STF, dos Mandados de Injunções que lá estão em tramitação; com a irrestrita observância da simetria constitucional existente com o Ministério Público (via de mão dupla); pelo tratamento igualitário entre a magistratura federal e as magistraturas estaduais e, também, pela imediata extensão, para todos os juízes, da ajuda de custo para moradia já paga a ministros e alguns juízes. Enquanto ao menos isso não acontece, reflitamos sobre a seguinte pergunta: Que tipo de juízes federais precisamos e queremos?

    [1] Que no Brasil, aliás, é crime capitulado no art. 3455 doCódigo Penall.

    [2] Excepcionalmente, admite-se a autotutela. Citamos como exemplo o desforço comum para proteger a posse e a auto-executoriedade dos atos administrativos.

    [3] Um dos objetivos fundamentais do Brasil previsto logo no inciso I do art. 3ºº daCF/888.

    [4] Os Ministros dos Tribunais superiores e juízes (Desembargadores) de Tribunais de 2ª instância, por exemplo, se já não eram juízes, adquirem a vitaliciedade imediatamente, ou seja, já a partir da posse no cargo.

    [5] Publicada no DJE nº 66, divulgado em 30/03/2012.

    [6] Dispõe sobre a organização, as atribuições e oestatuto do Ministério Público da Uniãoo.

    [7] Art. 52. Aos Juízes e servidores da Justiça Federal aplicam-se, no que couber, as disposições do Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União.

    [8] Art. 287. Aplicam-se subsidiariamente aos membros do Ministério Público da União as disposições gerais referentes aos servidores públicos, respeitadas, quando for o caso, as normas especiais contidas nesta lei complementar.

    [9] Nesse sentido, é expressa a LC nº75555/93: “Art.227777. Os membros do Ministério Público da União farão jus, ainda, às seguintes vantagens: I - ajuda-de-custo em caso de: a) remoção de ofício, promoção ou nomeação que importe em alteração do domicílio legal, para atender às despesas de instalação na nova sede de exercício em valor correspondente a até três meses de vencimentos;” (Negritamos).

    [10] Isso é mais uma anomalia atualmente existente na carreira de juiz federal e ocorre com bastante frequência, tendo em vista que em toda vara federal há previsão de lotação de dois juízes federais, sendo um titular e o outro substituto. Quando o candidato é aprovado, ele toma posse como substituto normalmente em locais longínquos e de menor interesse dos juízes. O juiz substituto chega ao lugar desejado, ou próximo dele, após anos de labor e mediante remoções. Quando consegue isso, prefere abrir mão da titularidade a fazer, agora com mais idade, novamente o árduo e demorado percurso, considerando que as vagas para titularização também o são em locais distantes e pouco desejados.

    [11] É o que consta do inciso II do próprio art.227777 da LC nº75555/93: “(...) II - diárias, por serviço eventual fora da sede, de valor mínimo equivalente a um trinta avos dos vencimentos para atender às despesas de locomoção, alimentação e pousada;” (Negritamos).

    [12] É comum juízes federais não receberem diárias integrais e em todos os dias em que se deslocam e permanecem trabalhando em localidades diversas de sua lotação.

    [13] Posto que as diárias dos juízes federais são pagas de acordo com a Resolução nº04444, de 14 de março de 2008, com redação dada pela Resolução nº89999 de 16 de dezembro de 2009, ambas do Conselho de Justiça Federal - CJF.

    [14] Temos a honra de conhecer uma culta e preparada juíza federal que passou nos concursos de juiz federal de duas regiões e, agora, está aprovada na primeira fase de concurso de juiz federal em outra região, de onde é originária. No nosso entender isso é outra aberração existente na carreira de juiz federal, na medida em que bastaria uma única aprovação em dificílimo concurso com posterior remoção para qualquer parte do Brasil, na consideração que o cargo é federal. É assim que ocorre, de forma natural e justa, no Ministério Público Federal e em qualquer outro cargo federal.

    [15] Lei nº12.527777/11.

    [16] A extensão desta ajuda de custo foi pedida, administrativamente, ao Conselho da Justiça Federal, cujo julgamento ainda está pendente de conclusão.

    [17] Do latim sacer, que significa "sagrado" e dos, dotis "dom" (in http://pt.wikipedia.org/wiki/Sacerd%C3%B3cio; acesso em 24/05/13)

    [18] Ministério Público, Advocacia Pública, Advocacia Privada e Defensoria Pública (arts. 127 a 135 da CF/88).

    *José Renato Rodrigues é juiz federal substituto em Marília (SP), graduado e mestre em Direito pela Instituição Toledo de Ensino – ITE.

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